Na realidade, não podemos chamar Hebreus de carta ou epístola. É mais um tratado teológico que outra coisa. Só há traços pessoais no fim, no texto de 13.23-24. No restante da obra, nome algum de pessoa conhecida na época é citado. Nenhuma localidade é mencionada. Nenhuma igreja em particular é citada. Não foi um escrito endereçado a alguém em particular, como as cartas (veja-se 1.1-2, onde já se começa uma discussão teológica).
Durante algum tempo se atribuiu a Paulo a autoria da obra. Mas Paulo, quando citava o Antigo Testamento, citava os textos hebraicos, dando sua própria tradução para o grego e, algumas vezes, citava o texto grego. O autor de Hebreus cita sempre o texto grego. Também o estilo do autor de Hebreus é muito refinado, elegante, superior mesmo ao de Paulo. Cerca de 168 palavras em Hebreus não são usadas em nenhum outro lugar do Novo Testamento, e mais 124 palavras não aparecem nem uma vez sequer, em todos os escritos de Paulo.
Por isso que Calvino rejeitou a autoria de Paulo. Lutero sugeriu que fosse Apolo. Alguns indicaram Priscila, esposa de Áquila, como autora. Outros, ainda, apontaram Barnabé. Mas como bem disse Orígenes, “só Deus sabe quem escreveu Hebreus”.
O autor tem um admirável conhecimento de filosofia. É da escola idealista, e parece ter sido influenciado por Platão, conforme se vê em 8.5, onde ele usa os conceitos do mundo das ideias e do mundo real, do filósofo grego. Em 11.3, a expressão final mostra que ele conhecia a filosofia dos epicureus. E em 5.14 ele mostra conhecer algo de Aristóteles.
Sua categoria de raciocínio difere da de Paulo, pois ele emprega o método alegórico dos alexandrinos. Ele tem um pensamento mais grego que o de Paulo. Usa categorias filosóficas do pensamento helênico para apresentar o cristianismo em relação ao judaísmo.
Mesmo sem sabermos quem é o autor, cremos que o livro é inspirado. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Sua mensagem central é simples e contundente: a superioridade de Cristo. O autor entende que a revelação de Deus não cessou com o Antigo Testamento, e deixa isto bem claro em 1.1-2, que aqui transcrevemos: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez também o mundo”.
Deus veio se revelando gradativamente, até que, por fim, se mostrou definitivamente na pessoa de Jesus de Nazaré. Ele é a Palavra final de Deus. Vejamos também Hebreus 1.3: “Sendo ele o resplendor da sua glória e a expressa imagem do seu Ser, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo ele mesmo feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas”.
Jesus é a mais perfeita revelação de Deus. É absolutamente sem sentido aquele corinho que diz: “Quero te ver, quero te tocar”. Quem queira ver a Deus, que olhe para Jesus. Ele é a “expressa imagem do seu Ser”. “Imagem” é o grego eikon, que significa “espelho”. Jesus é o espelho de Deus. Quando Deus olha no espelho, há um rosto lá dentro, o rosto de Jesus. Quando Jesus olha no espelho, há um rosto lá dentro, o rosto de Deus.
Vale a pena ler João 14.8-11, em consonância com esta declaração de Hebreus: “Disse-lhe Felipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta. Respondeu-lhe Jesus: Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheces, Felipe? Quem me viu a mim, viu o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e
que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é quem faz as suas obras. Crede-me que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras”.
E cuidado com o romantismo e sentimentalismo piegas que resvala para o panteísmo, com frases tipo: “Deus está na beleza de um por do sol”, “Deus está na natureza”, “Deus está no sorriso de uma criança”. Estas coisas podem nos emocionar e podem nos mostrar que há um Criador, mas Deus não está nelas. Deus não está na natureza. Deus está em Cristo.
Para uma melhor compreensão deste livro, faremos quatro estudos em Hebreus. Serão eles: (1) A superioridade de Jesus; (2) O sacrifício de Jesus; (3) A nova aliança em Jesus; (4) A disciplina de Jesus. Comecemos pelo primeiro.
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