Em Estórias de Bichos, Rubem Alves fala de uma águia que, criada num galinheiro, foi crescendo ali, convencida de que era galinha.
Bem diferente das outras – grandalhona, olhos frontais, bico adunco e grande demais, asas enormes –, tentava a todo custo imitar o que as galinhas faziam.
Até que um dia um alpinista, passando por ali, surpreso perguntou-lhe:
- Que é que você, águia, está fazendo no meio das galinhas?...
- Não me goza. Águia é a vovozinha. Sou galinha de corpo e alma, embora não pareça.
Percebendo que argumentar seria pura perda de tempo, colocou-a num saco e seguiu seu caminho até as montanhas. Lá bem no alto, sacudiu o saco e deixou-a cair, Não tendo em que se agarrar, debateu-se apavorada, até que a águia, “há muito tempo adormecida e esquecida” dentro dela, “acordou se apossou das asas e de repente voou...”
Essa estória,
embora muito interessante, não passa de lenda. Uma águia jamais se sujeita a
levar a vida medíocre de uma galinha, e muito menos se deixar prender num
galinheiro.
Tudo que uma
águia tem em comum com uma galinha são asas, bicos, pés, garras, e penas.
Pertencem ambas à espécie das aves. E as semelhanças param por aí. As
diferenças, sim, é que nos interessam, pois, no que diz respeito à natureza de
ambas, nada têm em comum.
A galinha,
temerosa, foge ao primeiro sinal de perigo. A águia, intrépida, enfrenta o
perigo; não se deixa vencer.
“...Deus não tem nos dado espírito de
coverdia, mas de poder...” (2Tm 1:7). Deus quer nos libertar do espírito
temeroso, próprio da galinha, e nos dar a intrepidez e a coragem da águia.
A galinha se
sujeita a ficar presa; se acomoda ao cativeiro. Com um simples barbante se
prende uma galinha ao pé de uma mesa. A águia, não. Ela não aceita o cativeiro.
Ela tenta romper o laço; se não o consegue, tenta cortar o pé da mesa; e se
ainda assim não se liberta, debate-se até cortar os pés. Voa sem pés mas se
nega a perder a liberdade.
Ninguém jamais
viu uma águia numa gaiola, nem mesmo num zoológico.
Não nascemos
de novo para viver confinados no terreiro de uma vida medíocre. “Pra a liberdade foi que Cristo nos
libertou... não vos submetais de novo a jugo de escravidão”. (Gl 5:1).
Águia e
galinha têm asas. Mas galinha doméstica não voa. O vôo mais alto que empreende
é para pular uma cerca. Se a soltamos de um telhado, por mais que se esforce,
acaba no chão. Aliás, suas asas só lhe servem para suavizar a descida. Só sabe
viver no rasteiro, ao nível do chão. A águia não. Suas asas a levam acima das
nuvens; levam-na ao seu habitat natural – as alturas.
“Habita no penhasco onde faz a sua morada
sobre o cume do penhasco, em lugar seguro” (Jó 39:28).
Deus nos fez para
alçar vôo. Ele não deseja que seus filhos vivam rastejando. “... os que esperam no Senhor... sobem com
asas como águias...” (Is 40:31). Sobem como (... a águia que voa pelos céus” (Pv 23:5).
Quando uma
tempestade ameaça cair, a galinha corre para um abrigo. A águia, ao contrário,
adora um vendaval, porque quanto mais forte o vento, mais alto ela voa. Vale-se
das intempéries para desenvolver suas asas, vigorá-las ainda mais poderosas. “Seu vôo é impetuoso”. (Dt 28:49).
E para nós,
uma “tempestade” é uma ameaça ou um desafio? Diante da adiversidade
escondemo-nos e deixamos escapar a oportunidade de “subir” espiritualmente?
O mundo da
galinha se resume a poeira, lama, sujeira. O da águia não tem limites. O seu
limite é o céu.
No seu
cântico, Ana declara:
“O Senhor... levanta o pobre do pó, e desde o
monturo exauta o necessitado...” (Sl 40:2).
“Ele ergue do pó o desvalido, e do monturo, o
necessitado” (Sl 113:7).
O projeto de
deus para nós começa exatamente aqui: tira-nos da lama, do monturo, e firma
nossos pés na Rocha que é Jesus. Mas não pára aí. Descortina diante de nós um
mundo de possibilidades para que possamos crescer e voar.
A águia é fiel
por natureza. Só aceita um único macho durante toda a vida. A galinha se
sujeita a compor o “harém” de um galo.
Quando me
deparo com um jovem que se gaba de ser conquistador, ou uma moça que cada dia
está com um namorado, sou obrigado a concluir que de “águia” os dois não têm
nada.
A fidelidade é traço
característico das águias de Deus, porque “Deus
é fidelidade...” (Dt 32:4). Ambos são candidatos a viver nas limitações de
um “quintal” espiritual, a menos que se proponham a ser uma águia de Deus,
rompendo com a sujeira em que estão metidos.
Galinha é
domesticável. Águia não. Ninguém jamais conseguiu condicionar uma águia aos
limites de um terreiro e fazê-la acomodar-se a uma vida ao nível do chão. É
selvagem por natureza.
Deus quer nos
tirar das limitações do “quintal” da derrota e da mediocridade e nos
transportar para os penhascos da vitória.
Galinha se
reproduz até em chocadeira, de forma artificial. Águia, só segundo os ditames
da natureza. Por isso é tão peculiar. Não se reproduz em série. Existe um sem
número de espécies de galinha.
A águia é
espécie rara.
O destino da
galinha, coitada, é a panela ou o espeto. Águia, ao contrário, não é alimento.
É devoradora. Está ainda por existir quem saboreie um espetinho de asa de
águia.
Galinha é
caça. Águia é caçadora. Os israelenses eram proibidos de comê-la (Dt 14:12).
Galinha tem
olhos laterais. A águia, não. Seus olhos são frontais.
Galinha só
enxerga de dia. Quando o sol se pões, vai para o galinheiro ou poleiro,
condenada a virar canja de raposa, cachorro ou gambá. A águia enxerga tanto de
dia como de noite.
Águia é
vigorosa; galinha, frágil. Facilmente se hipnotiza uma galinha; basta que
alinhemos alguns grãos de milho, numa extensão de uns três metros. Ela não
consegue pegar sequer um. Fica totalmente desnorteada, estática, tonta. Muiitos
de nóies se deixam hipnotizar por satanás, porque têm visão lateral. Não fixam
ambos os olhos em Jesus. Por isso deixam de ser caçadores e se tornam caça.
Galinha é medrosa. Águia é destemida,
corajosa.
Quando adoece,
a galinha fica de asas caídas, jururu, dependente de socorro. Ninguém jamais
uma águia doente. Quando debilitada, reúne todas as forças que tem para se
refugiar no alto. Não fica por aí à espera de piedade. Autocomiseração não
combina com a águia.
Galinha morre
cabisbaixa. A águia, quando presesnte a proximidade da morte, empreende o
último vôo, solitário, e sobe o mais alto que suas forças lhe permitem, para
morrer voando. E cai no deserto, em alto mar ou plena selva.
Galinha se
alimenta de milho e restos. A águia, do alto, seleciona a presa. E desce como
uma flexa sobre ela. Aquela aprecia minhocas, insetos mortos, fezes, escarros.
Esta não toca nada podre ou em decomposição.
“Habita no penhasco... Dali descobre a presa;
seus olhos a avistam de longe” (Jó 30:28-29).
“... Voam como águia que se precipita a
devorar” (Hc 1:8)
Deus tem,
igualmente, o melhor para aqueles que se negarem a ter a visão limitada de uma
galinha. Sua promessa é que, se quisermos, e lhe dermos ouvidos, comeremos o
melhor desta terra (Is 1:19).
Mas,
infelizmente, há cristãos que só se
alimentam de restos. Só comem sobras dos outros, porque não buscam alimentar-se
direto da mão de Deus.
Fomos certa
vez a uma fazenda, e logo que nos aproximamos de casa vimos ali muitas
galinhas, frangos e pintinhos soltos pelo quintal.
Lá dentro, num
dos quartos, um homem tossia; aquela tosse seca, angustiante, como se fosse
engasgar ou seu pulmão sair pela boca.
Conservávamos
animados ali no terreiro, quando o homem chegou à janela, tossiu, raspou a
garganta e deu aquela cusparada no chão.
E foi aquela
correria. As galinhas se atropelando, bicando umas às outras, para disputar o
escarro do velho. Que cena nauseante.
Demos um jeito
de sair logo dali e fomos conhecer as demais dependências da fazenda. Mas o
pior estava ainda por acontecer. À hora do almoço, sentamo-nos à mesa, e a dona
da casa, toda satisfeita disse:
- Olha,
preparei umas galinhas caipiras que peguei lá no terreiro especialmente pra
vocês.
Nunca vi uma
galinha dançar tanto no prato, pra lá e pra cá.
“Deus”, pensei
comigo, “que coisa mais degradante é ser galinha. Nem espiritualmente gostaria
de ser comparado a uma ave dessas”.
Deus nos fez
águia. Será que nos fdeixamos confinar num terreiro, e estamos assimilando o
“espírito galináceo”?
O mundo tenta
nos seduzir com seus grãozinhos, suas minhoquinhas, seu lixo, para nos manter
presos ao chão, à lama. E muitos de nós têm-se alimentado do seu lixo. É só
olhar o que andam lendo e vendo na tv. Mas quem tem a natureza da águia levanta
vôo e lá “dos lugares celestiais” escolhe com critério com que se alimentar,
porque prefere o cardápio farto e selecionado da verdade de Deus.
Ao contrário
da galinha, que faz seu ninho no chão ou numa moita qualquer, a águia constrói
o seu lugar inacessível, na encosta de um rochedo, bem lá no topo, fora do
alcance de qualquer predador.
“...remonta a águia e faz alto o seu ninho”
(Jó 39:27).
“Se te remontares como a águia, e puseres o
teu ninho entre as estrelas...” (Ob 4).
Ninho de
galinha é feito de pena e capim. Da águia também. Mas sob o capim e as penas,
retiradas do próprio peito, ela coloca uma camada de espinhos.
Nosso “ninho”
também tem “espinhos”. Deus os coloca ali para nos incomodar e forçar-nos a
voar.
O apósotlo
Paulo, por três vezes, pediu a Deus que o livrasse de um espinho, e recebeu a
seguinte resposta:
“A minha graça te basta, porque o poder se
aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12:9).
E quem era
Paulo? Homem cujos lenços e aventais, postos sobre enfermos e pessoas
possessas, os curavam e libertavam (At 19:12).
O nosso ninho
tem que ter espinhos, para que não nos acomodemos, para que levantemos
colocados ali pelo Senhor, que nos impulsionam para o monte da oração, do
jejum, do quebrantamento.
É hora,
portanto, de sairmos do ninho e aprendermos a voar – com Deus!
Nossa vida se assemelha mais à de uma águia
ou à de uma galinha? Com qual nos identificamos melhor?
GALINHA
·
Não voam.
·
É caça.
·
Olhos laterais.
·
É alimento.
·
Come restos.
·
Domesticável.
·
Medrosa
·
Se sujeita a ficar presa
·
Faz seu ninho ao nível do chão.
·
Várias espécies.
·
Só enxerga durante o dia.
·
Ninho: pena e capim.
·
Aceita mais de um galo.
·
Morre cabisbaixa.
ÁGUIA
·
Voam alto, muito alto.
·
É caçadora.
·
Olhos frontais.
·
É devoradora.
·
Não se alimenta de nada em decomposição.
·
Selvagem.
·
Corajosa.
·
Não aceita ficar presa.
·
Constrói seu ninho nos penhascos.
·
Espécie rara.
·
Vê durante o dia e durante a noite.
·
Ninho: pena, capim e espinhos.
·
Só aceita um macho durante toda a vida.
·
Morre voando.
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