O Dom de Profecia
"E a outro, a profecia" (1 Co 12.10).
O substantivo grego propheteia ("profecia") aparece 19 vezes no Novo Testamento (Mt 13.14; Rm 12.6; 1 Co 12.10; 13.2,8; 14.6,22; 1 Ts 5.20; 1 Tm 1.18; 4.14; 2 Pe 1.20,21; Ap 1.3; 11.6; 19.10; 22.7,10,18,19). Deriva-se do grego pro ("antes", "em favor de") e de phemi ("falar"). Ou seja, "alguém que fala por outrem" e, por extensão, "intérprete", especialmente da vontade de Deus. ([1])
Em sentido geral, a palavra "profecia", quando derivada de pro ("aquilo que jaz adiante"), traz a idéia de vaticínio divino de primeira grandeza.
No presente texto, a palavra "profecia" tem um sentido especial. Trata-se de "um dos dons do Espírito Santo", significando "uma predição momentânea e sobrenatural". Neste terceiro grupo de dons espirituais, a profecia assume o primeiro lugar em magnitude. São dons que operam na esfera espiritual.
Os dons de revelação expressam os pensamentos de Deus.
Os dons de poder manifestam sua onipotência e grandeza, preenchendo o campo inteiro de nossa visão.
Os dons de expressão comunicam os sentimentos do coração de Deus.
1. A origem da profecia
Há pelo menos três fontes, das quais podem surgir uma mensagem profética:
a. Divina. Isto é, a inspiração que parte diretamente do coração de Deus, fonte de todo bem (Jr 23.28,29; Tg 1.17; 1 Pe4.11).
b. Humana. Neste caso a mensagem parte do coração do próprio profeta, que fala sem autorização do Senhor (2 Sm 7.2-17; Jr 23.16).
c. Demoníaca. A falsa profecia parte diretamente de "um espírito enganador", ou mesmo de "um demônio" (1 Tm 4.1-3; Ap 16.13,14).
2. O valor da profecia
A palavra de Deus ou "palavra profética", foi sempre de "muita valia" para o povo de Deus em geral (1 Sm 3.1). Talvez por isso Moisés tenha exclamado: "Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu espírito!" (Nm 11.29).
O profeta Joel, ao vaticinar o grande derramamento do Espírito sobre toda a carne, fala de uma efusão profética: "Vossos filhos e vossas filhas profetizarão" (Jl 2.28).
Finalmente, Paulo manifesta o mesmo sentimento, aconselhando os coríntios a procurar "com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar" (1 Co 14.1). Nos versículos seguintes, o apóstolo reafirma sua admoestação em outros termos, como por exemplo:
"E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas; mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas" (v. 5); "Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar" (v. 39).
Segundo alguns escritores neotestamentários, parece que na igreja de Corinto ensinadores usavam "palavras persuasivas de sabedoria humana", tornando-se quase impossível aos "indoutos" alcançar o pensamento desses requintados pregadores (cf. 1 Co 2.1-13). Diante de tal circunstância o Espírito de Deus supria esta lacuna, usando alguém com o dom de profecia. Daí o comentário do apóstolo: "Mas se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar [no templo], de todos é convencido, de todos é julgado. Os segredos [as dúvidas] do seu coração ficarão manifestos [respondidos], e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós" (1 Co 14.24,25).
3. A finalidade da profecia
O dom de profecia tornara-se o mais desejado da igreja em Corinto, provavelmente, como observa Faucett, pelas seguintes razões:
• A profecia visa a edificação da igreja, tema quase que central do capítulo 14 de 1 Coríntios, e não apenas a edificação do crente individual, como é o caso das línguas quando não interpretadas.
• A profecia serve para exortação.
• A profecia serve também para consolar.
• A profecia é um meio de transmitir revelações e doutrinas, quando vazadas na revelação plenária.
• A profecia faz soar o "toque" da mensagem cristã que leva o crente a preparar-se para a batalha espiritual.
• A profecia é uma voz clara num mundo de vozes confusas e desassociadas.
• A profecia é um canal de bênção, principalmente de ação de graças, do qual a comunidade inteira pode participar. Por conseguinte, assemelha-se às línguas e até lhes é superior, porque beneficia a todos, e não somente ao que fala.
• A profecia é um dom espiritual que abençoa os crentes em qualquer lugar onde Deus assim o queira.
• A profecia é uma maneira de ensinar os sentimentos espirituais à alma sincera e anelante pela presença de Deus.
• A profecia deve ser ministrada segundo a medida da fé. Em outras palavras, deve ser transmitida de acordo com as regras e padrões estabelecidos na Palavra de Deus.
• A profecia deve ser transmitida sob os cuidados da direção ministerial (1 Cr 25.2).
• A profecia é um alerta contra o pecado: "Não havendo profecia, o povo se corrompe" (Pv 29.18).
Note que a profecia citada neste capítulo não é o ministério profético que o mesmo Paulo menciona em Efésios 4.11, evidentemente também chamado "dom". Mas é um "dom de governo", ligado diretamente à área ministerial. Enquanto que a profecia, ainda que ligada também ao ministério profético, é um "dom do Espírito Santo" outorgado à igreja para "edificação, exortação e consolação". Os profetas mencionados no Antigo Testamento eram pessoas revestidas do "ministério profético", e geralmente iniciavam a mensagem profética, dizendo: "Assim diz o Senhor" ou: "Veio a mim a palavra do Senhor".
No caso do dom de profecia, a mensagem parte sempre diretamente de Deus e é transmitida como se o próprio Deus estivesse falando. No exercício do ministério profético propriamente dito, dificilmente profetizavam dois ou mais profetas ao mesmo tempo e em um só lugar, como acontece com o dom de profecia. Paulo orienta: "Falem dois ou três pessoas, e os outros julguem. Mas se a outro [profeta], que estiver assentado, for revelado alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros... E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas" (1 Co 14.29-32).
O ministério profético e o dom de profecia encontram-se associados em ambos os Testamentos. Em Números 11.25,26, o Espírito de Deus repousou sobre setenta anciãos de Israel, concedendo-lhes uma espécie de dom de profecia. Eles profetizaram ali, e depois, nunca mais. Entretanto, "no arraial ficaram dois homens; o nome de um era Eldade, e o nome do outro, Medade; e repousou sobre eles o Espírito (porquanto estavam entre os inscritos, ainda que não saíram à tenda), e profetizavam". Eldade e Medade receberam o ministério profético, enquanto os setenta anciãos receberam apenas uma porção deste ministério, ou seja, o dom de profecia. A palavra hebraica para "profeta" é nabil, e foi usada pela primeira vez em Gênesis 20.7; depois, aparece mais de trezentas vezes no Antigo Testamento. No Novo Testamento, a palavra prophetes aparece 149 vezes. Sete dessas ocorrências, nas Escrituras, são aplicadas a figuras femininas, ou "profetisas": Miriã, Débora, Hulda, Noadias, a mulher do profeta Isaías, Ana e Jezabel (Êx 15.20; Jz 4.4; 2 Rs 22.12; Ne 6.14; Is 8.3; Lc 2.36; Ap 2.20).
Atos 20.8,9 também revela que Filipe, o evangelista, era pai de "quatro filhas donzelas que profetizavam".
Toda e qualquer profecia, seja plenária (2 Pe 1.19-21) ou uma revelação momentânea operada através do dom, diante de qualquer necessidade da igreja deve trazer em seu conteúdo "o testemunho de Jesus", que é o "espírito de profecia" (Ap 19.10).
O Dom de Variedade de Línguas
"E a outro, a variedade de línguas" (1 Co 12.10).
Este dom é até certo ponto menor que o de profecia, conforme declara Paulo ao discorrer sobre os dons espirituais na igreja em Corinto: "E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas; mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas..." (1 Co 14.5). Entretanto, o apóstolo ressalva: "... a não ser que também interprete".
Devemos ter em mente que está em foco a variedade, e não meramente o dom de línguas, comumente desfrutado pelos cristãos batizados com o Espírito Santo.
1. No dia de Pentecoste
Alguns estudiosos explicam as línguas faladas no dia de Pentecoste como o resultado da memória sobrenatural vivificada, reproduzindo nos judeus e prosélitos frases e orações ouvidas por eles e guardadas no inconsciente, as quais precisavam usar sob circunstâncias normais. ([2])
O escritor sagrado diz que o fenômeno sobrenatural deixou todos pasmados, a ponto de dizerem: "Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascido?" (At 2.7,8).
O fenômeno contribuiu para destacar a universalidade da mensagem cristã, em contraste com a expressão nacional do judaísmo. Além disso, o Espírito Santo dava cumprimento a mais um vaticínio das Escrituras, que dizia: "Pelo que por lábios estranhos e por outra língua, falará a este povo" (Is 28.11). Qualquer pessoa ficaria impressionada ao ouvir de um estrangeiro algo em sua língua nativa, sem erros gramaticais e sem sotaque, e de modo eloqüente. Uma vez assim impressionada, passaria a dar maior atenção à mensagem. Depois veio o resultado: "Naquele dia, agregaram-se quase três mil almas".
2. Depois do dia de Pentecoste
O dom de variedades de línguas ocorre em pelo menos três lugares, no Novo Testamento. Apesar de não estarem essas ocorrências vinculadas a grandes concentrações de visitantes de outras terras, o Espírito Santo operou eficazmente, com demonstração de poder. Estes lugares foram:
a. Cesaréia. "E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas e magnificar a Deus" (At 10.44-46).
b. Éfeso. "E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam" (At 19.6).
c. Corinto. "E a outro, a variedade de línguas; e a outro, a interpretação das línguas..." (1 Co 12.10).
É possível que Paulo, ao falar sobre "línguas dos homens e dos anjos", em 1 Coríntios 13.1, estivesse aludindo ao dom de variedade de línguas - exatamente como aconteceu no dia de Pentecoste, onde "foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo".
O dom de variedade de línguas possibilita a expressão, por meios sobrenaturais, de línguas estrangeiras, naturais e humanas, e também de algum idioma celestial. Depende da necessidade e vontade do Espírito Santo (At 2.4).
O dom de variedade de línguas tem sido comumente chamado pelos teólogos de "glossolalia", e particularmente de "línguas estranhas" pelos cristãos em geral. Inúmeras vezes Deus, através deste dom e de sua interpretação, tem edificado, exortado e consolado milhares de pessoas na igreja e até fora dela.
A igreja em Corinto foi agraciada por Deus com todos os dons já manifestos pelo Espírito Santo, a ponto de o apóstolo Paulo comentar: "Porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento (como foi mesmo o testemunho de Cristo confirmado entre vós). De maneira que nenhum dom vos falta..." (1 Co 1.5-7).
Deus se manifestava e falava de diversas maneiras. Falava por "meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina". Em outras ocasiões, Deus também falava por meio de "salmos... de línguas e sua interpretação". Outros dons do Espírito Santo eram também manifestos para exaltar o nome de Jesus como Senhor.
O apóstolo mostra a harmoniosa sintonia entre os dons, cooperando cada um em determinada área da igreja, de acordo com a distribuição feita pelo Espírito Santo: como o corpo, sendo um mas composto de muitos membros com funções diferentes (1 Co 12.12-27). Nenhum membro deve ser desprezado ou considerado "mais fraco" ou "menos honroso" - todos são necessários.
3. Diferença entre variedade de línguas e línguas estranhas
Lendo 1 Coríntios 14.27,28, à primeira vista achamos que o apóstolo Paulo está proibindo os crentes de falar em línguas estranhas durante o culto. Mas não é este, com certeza, o pensamento do grande mestre da Palavra de Deus. No mesmo capítulo, ele afirma:
• "O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo" (v. 4);
• "E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas..." (v. 5);
• "Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos" (v. 18);
• "Não proibais falar línguas" (v. 39).
Entendo que Paulo esteja aqui instruindo sobre o uso correto do dom de variedade de línguas, pois explica que precisa de interpretação: "E, se alguém falar línguas estranhas [variedade de línguas], faça-se isso por dois ou, quando muito, três, 6 por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja e fale consigo mesmo e com Deus" (1 Co 14.27,28).
Procurava o apóstolo pôr termo a uma dificuldade: se todos os crentes batizados com o Espírito Santo presentes numa reunião falassem várias línguas aos mesmo tempo, seria humanamente impossível o trabalho dos intérpretes. Mesmo usados por Deus, precisavam interpretar cada língua por sua vez.
Talvez por isso Paulo tenha prescrito: "E, se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois ou, quando muito, três..." "Por sua vez" significa um após outro - pois somente assim o intérprete poderia transmitir a mensagem divina à igreja. E assim, tudo seria feito "decentemente e com ordem" (1 Co 14.40).
Entendemos que se alguém falar em línguas, mesmo as entendidas pelos homens, como aconteceu no dia de Pentecoste, esta pessoa está sendo usada pelo Espírito Santo em variedade de línguas. E se de alguma maneira não as entendermos, neste caso o que fala "não fala aos homens, senão a Deus" (1 Co 14.2).
Podemos, portanto, chamar as línguas estranhas não interpretadas de "mistério" ou "sinal"; enquanto que as que as interpretadas compreendem a "variedade de línguas" (1 Co 12.10; 13.1; 14.2,26,27,28).
O Dom de Interpretação das Línguas
"E a outro, a interpretação das línguas" (1 Co 12.10).
A palavra "interpretação" nada tem a ver com a "tradução", no sentido em que a conhecemos. Não se refere ao processo intelectual pelo qual se dá o sentido prosaico e literal de palavras faladas ou escritas. A "interpretação" em foco é totalmente milagrosa. Trata-se de um dom do Espírito Santo que capacita a pessoa a traduzir simultaneamente o que está sendo falado através do dom de variedade de línguas.
Assim, o que fala em línguas não deve procurar decifrá-las, mas pode receber a interpretação da mesma fonte divina de onde surgiram. A não ser que Deus queira fazer como no dia de Pentecoste, quando o Espírito Santo desceu repentinamente, conforme descrito em Atos 2.2-4: "E, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem".
Nessa operação miraculosa do Espírito de Deus, as "línguas" foram repartidas conforme em cerca de 15 regiões diferentes, a saber: "Partos e medas, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, e Judéia, e Capadócia, e Ponto, e Ásia, e Frígia, e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos (tanto judeus como prosélitos), e cretenses, e árabes..." (At 2.9-11). A lista do escritor sagrado não é propriamente lingüística, e sim geográfica, cujo propósito é ilustrar a grande variedade de povos, isto é, pessoas de "todas as nações que estão debaixo dos céus".
Besser salienta que a "linguagem dos judeus era por demais débil para descrever ao mesmo tempo e para o mundo inteiro essas maravilhosas 'grandezas de Deus'; seriam necessários todos os idiomas do mundo para publicar e glorificar as obras do Senhor do Universo". Entretanto, com um único toque do Espírito Santo tudo ficou resolvido.
O mesmo acontecerá na continuidade da pregação do Evangelho do Reino, principiada por João Batista e Cristo mas interrompido pela rejeição do Rei. Porém este voltará em glória, no final da Grande Tribulação, preparando assim as nações para o reino milenial do Filho de Deus. O que não pode ser visto com nitidez, por causa da sombra humana, será revelado por um anjo em apenas um instante: "E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e povo" (Ap 14.6). ([3])
Esta mensagem é universal, como o foi, sem dúvida, a mensagem dada pelo Espírito Santo através do dom de variedade de línguas, no dia de Pentecoste! O resultado certamente foi o descrito por Paulo em 1 Coríntios 14.22: "De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis".
No dia de Pentecoste, duas coisas importantes com relação a interpretação da variedade de línguas podem ter acontecido:
• as línguas faladas eram o idioma materno de cada pessoa ali presente (At 2.8);
• a linguagem era espiritual, e Deus capacitou cada um dos presentes a compreender o significado das palavras (1 Co 14.21).
Seja como for, o resultado foi glorioso: Deus falou através do seu Espírito, e falou muito bem! (Hb 1.1; 2.4).
[1] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado. Milenium, 1982.
[2] Idem.
[3] SILVA, S. P. da. Apocalipse Versículo por Versículo. Rio de Janeiro, CPAD, 1995.
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